A alma do grande Salgueiros de Filipovic



Para quem gosta do jogo bonito, custa sempre ver equipas que impressionaram no passado a arrastarem-se por escalões secundários e a viverem com o credo na boca para sobreviverem. Os casos no futebol português são mais que muitos. Já aqui tínhamos escrito sobre o Atlético Clube de Portugal. E, desta vez, vamos falar do Sport Comércio e Salgueiros.

A formação de Paranhos acaba de ser despromovida para os Distritais. Muito longe dos tempos de glória em que conseguiu chegar às competições europeias e em que os treinadores dos grandes temiam a deslocação ao mítico estádio Vidal Pinheiro


A alma salgueirista já teve tempos melhores. Mas é uma boa oportunidade para recordar uma das equipas que marcaram o futebol português no início dos anos 90. Pouco tempo depois de pendurar as botas, Zoran Filipovic, o antigo avançado do Benfica e Boavista, chega a Paranhos para assumir o comando técnico da equipa. 

A primeira experiência  do jugoslavo como treinador principal impressionou tudo e todos. Na primeira época, em 89/90, Filipovic comanda o Salgueiros à vitória na II Divisão. E logo no regresso ao escalão principal do futebol português, a formação mostrou toda a sua alma ao terminar o campeonato no quinto lugar, apurando-se para as competições europeias. 

Em 91/92 o Salgueiros apanha os franceses do Cannes na primeira ronda da Taça Uefa. Uma formação onde um tal de Zinedine Zidane mostrava os primeiros sinais de mestria. Na primeira mão, forçada a jogar no Bessa por falta de condições do Vidal Pinheiro, a turma de Filipovic ganha por 1-0. Golo de Jorge Plácido.

O Salgueiros europeu em acção

No jogo de ida, um golo dos franceses a cinco minutos do fim forçou o prolongamento e a ida ao desempate através de grandes penalidades. Os gauleses foram mais felizes.

As almas do grande Salgueiros

O Salgueiros de 91/92. Foto: Futebol em Portugal

O sucesso do Salgueiros do início da década de 90 não se deveu apenas ao bom trabalho de Filipovic. O técnico contava com bons jogadores na equipa, alguns que até tinham sido internacionais. Era o caso de Jorge Plácido, o autor do único golo uefeiro da turma de Paranhos.

Antes de chegar ao Vidal Pinheiro, o avançado tinha representado a Selecção por três vezes. Bisou num empate a dois diante de Malta. Apesar do currículo e de ficar para sempre na história dos salgueiristas, Plácido apenas passou uma temporada no clube.

É que a cantera do Salgueiros era uma boa fábrica de talentos e começava a aparecer na equipa um jovem de elevado potencial chamado Ricardo Sá Pinto. O clube contava ainda com os serviços de Tozé na frente de ataque. O ex-Sporting foi o melhor marcador da equipa na época do quinto lugar, com 11 golos.

Outra das figuras da equipa, também formados no clube, eram Luís Pedrosa e Leão. O Salgueiros teve sempre no ADN uma apetência por formar bons valores. Paulo Duarte, um dos esteios defensivos da equipa de Filipovic e grande lenda do União de Leiria, explicou num artigo do Sindicato de Jogadores que "o Salgueiros era e sempre foi um clube bairrista. E quando se fala de bairro fala-se de futebol de rua. O Salgueiros viveu dessa cultura e a sua formação era captar esses jovens".

A espinha dorsal da equipa e que transmitia a mística salgueirista era composta ainda pelo médio aguerrido Rui França e pelo histórico destemido guarda-redes Madureira. Passaram mais de uma década a defender o clube. Mesmo nos momentos de maior dificuldade e em escalões secundários não abandonaram o barco, afirmando-se como timoneiros do regresso da equipa ao escalão principal.

Outro dos grandes destaques da equipa era o ponta-de-lança Vinha, um gigante esguio ao estilo de Peter Crouch. O atacante cabo-verdiano passou sete temporadas no clube e, pelo meio, ainda foi dar uma perninha no FC Porto.

Na época de estreia na Europa chegaria ainda ao Vidal Pinheiro um médio que se tornaria numa das maiores referências do Salgueiros: Abílio. O mestre das bolas paradas é um dos melhores marcadores da história salgueirista. Mas ficou ligado a um dos maus momentos da equipa, ao falhar um penálti na última jornada da liga 96/97. Se a bola tivesse entrado naquele jogo na casa do Farense seria o regresso do Salgueiros às competições europeias. "Até chorei", disse o médio ao MaisFutebol.

A legião dos Balcãs



Além da força que vinha dos jogadores que guardavam a mística salgueirista, a equipa de Paranhos contava com uma legião de atletas provenientes de uma Jugoslávia que dava os primeiros sinais de se estar a desintegrar.

Nikolic, o virtuoso 

Jovica NikolicDragan Djukic ajudaram o clube a regressar à Primeira Liga. E foram fundamentais para o quinto lugar no campeonato logo na época da promoção. Desse duo, o nome com maior currículo era o do maestro Nikolic.

O médio chegou a Paranhos vindo do poderoso Estrela Vermelha e com uma medalha de bronze alcançada nas Olimpíadas de 84 em Los Angeles, competição em que marcou três golos em cinco jogos. Espalhava classe pelos relvados portugueses a criar situações de golo e a executar lances de bola parada.

Àquela dupla juntar-se-iam na temporada do quinto lugar o defesa Doincevic e Stevan Milovac. O médio defensivo tornou-se uma das grandes lendas da equipa de Paranhos. O jugoslavo com cara de miúdo ficou no Vidal Pinheiro por sete anos até se retirar dos relvados. Milovac continua em Portugal. É dono de um restaurante no Algarve, chamado O Cofre.

A equipa de 90/91 em acção, com Vinha e Nikolic em destaque

O Salgueiros aguentar-se-ia na primeira divisão até 2002. Poucos anos depois extinguia o futebol profissional. Não houve alma que resistisse às dívidas ao Fisco e à Segurança Social. O Velho Salgueiral tentou reinventar-se com novas designações, mas nunca mais se aproximou dos grandes palcos do futebol português. E até o mítico estádio Vidal Pinheiro acabou em ruínas, dando o lugar a uma estação de metro.

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